Pular para o conteúdo principal

De novo, e de novo


Scott tem a mania de perseguir qualquer coisa móvel que cruze o seu horizonte, não importa a distância - ele enxerga longe, muito longe, algo incomum entre os cães que eu já tive. Por isso, procuro ver antes dele o que acontece ao redor. Ao menor sinal de gente, prendo-o logo na guia.

De uns tempos para cá, comecei a notar que ele tem atendido um pouco mais ao comando vem. Hoje finalmente, apostando no seu discernimento, decidi, um pouco vacilante ainda, que não iria mais contê-lo.

Num primeiro momento, achei fácil manter a minha posição, as pessoas caminhavam a uma distância segura, do outro lado de um campo largo, a quase duzentos metros. Quando ele as avistou, porém, partiu no rumo delas, embora sem muita convicção, pois também havia percebido que eu tomara repentinamente o sentido oposto - tentei mostrar determinação em meu movimento, o que lhe faltava naquele instante. Num átimo, enquanto eu ia falando "vem!" sem olhar para trás, ele tomou a decisão certa, deu meia volta e logo me alcançou.

Eu agora repetia o "vem" com alegria, queria recompensá-lo pelo bom comportamento.

Continuamos andando, ele um pouco mais adiante, como gosta de fazer o batedor da matilha, e Clara a nossa retaguarda, distraindo-se com as andorinhas que cortavam o céu azualaranjado do final da tarde. De vez em quando, o bicho parava e se voltava altivo para o ponto em que as pessoas ficaram, lá atrás. Retesava-se então, como se ainda sentisse o chamado selvagem, para logo atender novamente ao meu pedido, e voltava ao trabalho de explorar o caminho que ia se estreitando no meio do mato alto. Retomou uma meia dúzia de vezes a manobra, enquanto eu, com confiança e prazer crescentes, fazia-o ouvir de novo, e de novo, a voz que jamais o confunde.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Oito coisas para fazer com preguiça

. Escorregar o ânimo num cago de chuva. Sentir desejo de planta por travesseiros. Celebrar a paz das vassouras com as teias. Vegetar as idéias no pó assentado. Esquecer do amarelo gritando lá fora. Embalar um mofo com pão dormido. Deixar para o limo o amansar as facas. Querer, só nesta manhã, o desmantelo do tempo. * Releitura do poema publicado na revista Germina .