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Mostrando postagens de junho, 2020

iniciação

escrever na língua do silêncio não tem muito mistério sobre uma folha de papel em branco coloca-se as palavras mesmo uma após a outra vão surgindo entrelinhas que é onde se diz qualquer coisa sem que ninguém nos veja sem que ninguém nos ouça

De novo, e de novo

Scott tem a mania de perseguir qualquer coisa móvel que cruze o seu horizonte, não importa a distância - ele enxerga longe, muito longe, algo incomum entre os cães que eu já tive. Por isso, procuro ver antes dele o que acontece ao redor. Ao menor sinal de gente, prendo-o logo na guia. De uns tempos para cá, comecei a notar que ele tem atendido um pouco mais ao comando vem. Hoje finalmente, apostando no seu discernimento, decidi, um pouco vacilante ainda, que não iria mais contê-lo. Num primeiro momento, achei fácil manter a minha posição, as pessoas caminhavam a uma distância segura, do outro lado de um campo largo, a quase duzentos metros. Quando ele as avistou, porém, partiu no rumo delas, embora sem muita convicção, pois também havia percebido que eu tomara repentinamente o sentido oposto - tentei mostrar determinação em meu movimento, o que lhe faltava naquele instante. Num átimo, enquanto eu ia falando "vem!" sem olhar para trás, ele tomou a decisão certa, deu mei

As palavras e as coisas

A pandemia vai abolindo o sim e o não, mesmo sob o protesto generalizado das pessoas - preferimos o erro à incerteza, contanto que possamos manter a pose. De foice em punho, a mais severa pedagoga observa o doloroso aprendizado, aproximando-se às vezes um pouco mais de um sujeito ou de outro, a quem examina com minúcia. Ontem ainda, alguns destes se entusiasmaram com uma notícia alvissareira: a manchete anunciava que raramente os indivíduos assintomáticos transmitem o vírus. Hoje, um punhado de autoridades correu para esclarecer a sutil diferença entre pré-sintomáticos e assintomáticos enquanto a foice descia lentamente em direção ao pescoço de alguns alunos impacientes e cheios de razão.

Enquanto é noite

Despertar é um risco, ela percebe finalmente. Uma vaga melancolia pode nublar as horas pelo restante do dia ou um alívio, iluminar a sua face com um leve sorriso, sem que os olhos tenham se aberto ainda. E essa é a diferença entre sonhar ou ser perseguida por um pesadelo - mas não é diferente de viver a vida distraidamente.