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Mostrando postagens de setembro, 2020

Enunciado concreto e ritual discursivo

O que é colocado em jogo num diálogo vai muito além da gramática e do dicionário. Quando compreendemos isso, a nossa capacidade de nos situarmos numa conversa, numa leitura ou num processo social qualquer, se enriquece muito. O enunciado é concreto, diria Bakhtin, o seu sentido depende do contexto - e não vamos confundir isso com o co-texto, pois os discursos carregam em si, além das palavras, todo um feixe de relações sociais, valores, crenças e códigos que não são pronunciados nem escritos em lugar nenhum, mas que a comunidade/sociedade conhece muito bem. A propósito, Foucault foi muito feliz ao falar em "ritual de discurso", e não em "enunciado concreto" ou "gênero do discurso" como o bom e velho Bakhtin, embora, a meu ver, esses conceitos sejam bastante afins. Pois é disso que se trata, um ritual, não apenas de palavras e frases, mas de formas socioculturais, de história.

Duas notas sobre o desaparecimento do Homem

1. Quando Foucault escreveu que o Homem estava prestes a desaparecer do horizonte das ciências humanas e o puro discurso era o que lhes restaria como objeto de estudo, ele não imaginava, até onde sei, que sua previsão se cumpriria numa ciência muito diferente: a ciência da computação. Pois bem, neste campo, o desenvolvimento da inteligência artificial só deslanchou a partir do momento em que os cientistas desistiram de descobrir como funciona a inteligência humana de fato - o Homem desapareceu do seu horizonte. Eles deixaram de tentar reproduzir a sua essência, que jamais encontravam, para construir sistemas que, por meios que nada têm de essencialmente humanos, conseguem ainda assim se comportar inteligentemente. A era do puro discurso pode não ter chegado, mas a era da pura inteligência parece ter começado. E eu não estou usando a palavra pura porque tal inteligência seja superior ou perfeita, muito menos desejável. Não se trata de um juízo de valor.   2. Quem trabalha com propaganda

O que dizer de si

Suponhamos que o sujeito não consiga ter clareza das suas emoções e dos seus pensamentos até que lhes dê um nome e conte uma história sobre eles, nem que seja para si mesmo somente, em silêncio. Suponhamos que as palavras em geral não apontem para as coisas em si, mas para outras palavras, que as definem. Suponhamos que o sentido das palavras esteja inextricavelmente ligado ao contexto social & cultural em que são ditas, tanto o mais imediato quando o mais distante. Suponhamos que o contexto social & cultural jamais permaneça o mesmo no tempo e no espaço. O que o sujeito pode dizer de verdadeiro a respeito de si mesmo, da vida e dos livros? O que pode dizer que não seja tão passageiro quanto a história?