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O textão e o poema


Héber Sales



Ando cada vez menos à vontade para dar as respostas que as pessoas esperam de mim. Um aluno de produção textual pergunta-me quantas linhas deve escrever. O que dizer? Quantas você quiser, ora. Só não me faça perder o interesse antes do final.

A preocupação com a quantidade de linhas perturba igualmente as pessoas nas redes sociais. Algumas avisam constrangidas que estão postando um textão. Acho engraçado. Se a coisa for ruim, não serve como desculpa. Se for boa, ninguém vai se importar com o tamanho dela.

Na escrita criativa, textão ou textinho nunca foi uma questão crucial para quem é do ramo. E quando o texto é bem bolado, também não angustia os leitores.

Há ideias que rendem dois volumes (Dom Quixote), um poema do tamanho de um livro (Romanceiro da Inconfidência) ou 3 horas de filme (O Poderoso Chefão), e lamentamos quando chega ao fim.

Há ideias que se resolvem muito bem num episódio (San Junipero, na série Black Mirror ) ou num conto (O Perseguidor, do Cortázar), e se tornam inesquecíveis.

Há lampejos que vão brilhar por séculos e só precisam de três versos para isso (um haicai de Bashô).

E há muitas elucubrações que não merecem um palavra - um grande escritor, já dizia Mallarmé, se conhece pela quantidade de páginas que não publica.

Alguém mais atento me joga na cara porém: como assim você não se importa com quantas linhas o aluno deve escrever um texto? Se noutro dia pediu pra gente criar slogans e foto-legendas como quem escreve um haicai.

Pois é.

três linhas num haicai não é um número, é um sentido
quer dizer um lampejo
quer dizer o bote de uma naja

você pode escrever 3 versos
contar 17 sílabas
e não conseguir me atordoar com uma breve maravilha do mundo banal

me daria um dia em que não está o sol
uma noite em que não está a lua
somente os 12 dígitos de um relógio

eu iria preferir ler outra vez
um daqueles longos poemas do velho Buk que me deixam mais desperto
do que a cafeína ou
do que
a charada de um mestre zen

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