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Literatura e patrulhamento ideológico


Na turma da literatura, convivo com gente de todo tipo. Muitos são de esquerda; outros são de direita. Às vezes concordo com um lado; outras vezes discordo dele.

Quando há oportunidade, procuro conversar e aprender com qualquer um, embora eu tenha sempre as minhas próprias questões.

Não estar bem certo das coisas às vezes me deixa mal com este ou aquele sujeito, quando ele exige de mim, de modo explícito ou não, um alinhamento automático em nome da classe.

Apesar disso, nunca cheguei a bater boca com ninguém, muito menos joguei no lixo uma obra-prima sequer porque o autor-pessoa me decepcionou de algum modo.

Por definição, concordo com o que defendeu Bakhtin em seu ensaio "O Autor e o Personagem na Atividade Estética": a obra de arte é do domínio do "autor-criador, elemento da obra", o qual não deve ser confundido com o "autor-pessoa, elemento do acontecimento ético e social da vida".

Para o filósofo russo, o trabalho estético se caracteriza por ser uma "resposta única ao todo do personagem", a qual é produto de uma "visão ativa da personagem como um todo".

Ora, essa visão do todo ocorre precisamente quando o autor-pessoa, com sua orientação ético-cognitiva interessada e parcial, sai de cena e dá lugar a uma outra consciência (o autor-criador) que, livremente, seja capaz de desbravar a personagem de diversos pontos de vista verbo-axiológicos até complementá-la, sem que, no entanto, nesse processo de acabamento, reduza a complexa humanidade do herói.

Quando tal desprendimento não ocorre e o autor-criador, como "elemento da obra", não assume plenamente o controle da criação artística, a literatura se empobrece e se torna simplesmente ruim - às vezes tão ruim quanto em certos momentos nos parece o sujeito que pôs seu nome nela.

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