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Mostrando postagens de dezembro, 2018

A boa vizinhança

eu prefiro beber numa inofensiva xícara: na minha casa, você não achará taças nem nenhum copo do tipo shot. além de descolada, a xícara é uma companhia bastante respeitável, acima de qualquer suspeita. nela, você pode tomar pinga no café de manhã ainda, nenhum vizinho lhe chamará de pinguço - você somente ingere cafeína pra vencer, campeão, mais um dia. e à noite, para relaxar um pouco, você vai sorver tranquilamente um pouco de chá com cicuta sem que a sua família se preocupe demais.

O textão e o poema

Héber Sales Ando cada vez menos à vontade para dar as respostas que as pessoas esperam de mim. Um aluno de produção textual pergunta-me quantas linhas deve escrever. O que dizer? Quantas você quiser, ora. Só não me faça perder o interesse antes do final. A preocupação com a quantidade de linhas perturba igualmente as pessoas nas redes sociais. Algumas avisam constrangidas que estão postando um textão. Acho engraçado. Se a coisa for ruim, não serve como desculpa. Se for boa, ninguém vai se importar com o tamanho dela. Na escrita criativa, textão ou textinho nunca foi uma questão crucial para quem é do ramo. E quando o texto é bem bolado, também não angustia os leitores. Há ideias que rendem dois volumes (Dom Quixote), um poema do tamanho de um livro (Romanceiro da Inconfidência) ou 3 horas de filme (O Poderoso Chefão), e lamentamos quando chega ao fim. Há ideias que se resolvem muito bem num episódio (San Junipero, na série Black Mirror ) ou num conto (O Perseguidor, do

Máscaras

jovens artistas - os medíocres também - gostam muito de se expressar artistas menos ingênuos se interessam mais pela expressão alheia viva ela sob a sua máscara ou sob a máscara do outro

Uma notícia muito boa para se ler rapidamente *

adoro o esmurro bem feito na cara do racista 100% de respeito queremos mais detalhes a reação dele, da mulher, dos cachorros, do bife (tava bom?) encosta bonita divas fazem assim que hino de mãe conheci antes da fama me segura eu vou ficar nojenta eu amo muito a mulher certa * ready-made polifônico, feito 100% de tuítes alheios.

O pícaro alegre

"Não existem palavras sem dono [...] Quem fala e em que circunstâncias fala - eis o que determina o sentido real da palavra. Todo significado direto e toda expressão direta são falsos e particularmente patéticos. [...] às linguagens de todos os detentores do poder e dos estabelecidos na vida contrapõe-se  a linguagem do pícaro alegre, que reproduz parodicamente qualquer patético onde é necessário, mas que o neutraliza, que o afasta dos lábios pelo sorriso e pelo embuste. Ao zombar da mentira, ele a transforma num embuste alegre. A mentira é iluminada pela consciência irônica e parodia a si mesmo pela boca do pícaro alegre". Bakhtin em "Teoria do Romance"

Hábito

Muita coisa acontece ao redor Sem que eu me espante Os dias se repetem No mundo ordeiro e manso do hábito Às vezes estou triste Às vezes estou alegre Quase sempre finjo Isso me espanta

Antijargão

Quando nos primeiros versos eu sinto - é sentimento, e sentimento às vezes engana, você está avisado - que o poeta se esforça demais para exibir a sua destreza num certo jargão poético - o jargão do poeta contemporâneo, vanguardista e experimental por exemplo - eu perco o ânimo e procuro outra coisa para ler. Não é que a poesia não tenha os seus jargões. De fato, tem. Inúmeros. Mas somente no que servem como antijargão.