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Mostrando postagens de março, 2019

Literatura e patrulhamento ideológico

Na turma da literatura, convivo com gente de todo tipo. Muitos são de esquerda; outros são de direita. Às vezes concordo com um lado; outras vezes discordo dele. Quando há oportunidade, procuro conversar e aprender com qualquer um, embora eu tenha sempre as minhas próprias questões. Não estar bem certo das coisas às vezes me deixa mal com este ou aquele sujeito, quando ele exige de mim, de modo explícito ou não, um alinhamento automático em nome da classe. Apesar disso, nunca cheguei a bater boca com ninguém, muito menos joguei no lixo uma obra-prima sequer porque o autor-pessoa me decepcionou de algum modo. Por definição, concordo com o que defendeu Bakhtin em seu ensaio "O Autor e o Personagem na Atividade Estética": a obra de arte é do domínio do "autor-criador, elemento da obra", o qual não deve ser confundido com o "autor-pessoa, elemento do acontecimento ético e social da vida". Para o filósofo russo, o trabalho estético se caracteriza por
Quem anda cheio de convicção caminha para longe da verdade. Descoberta é aquilo que ocorre a quem aceita, não a quem tem certeza das coisas.

A Vigília

O sol já estava se pondo. Iuri atravessou o jardim, caminhando lentamente em direção à rua. Seu cão pastor acompanhava-o quieto. Talvez o companheiro tivesse adoecido, talvez ambos estivessem tristes somente. Esse dia parecia com o fim do mundo - não por uma catástrofe, mas como uma vela que se extinguisse aos poucos: logo não haveria mais sombras, tudo se apagaria. Adiante deles, entre os telhados, viam crescer a mata que separava a vila das extensas plantações do vale lá embaixo. Em sua orla, os eucaliptos mostravam-se ainda mais altivos contra o azul derrotado. Os dois continuavam andando para dentro da noite. Não lhes interessava mais o dia. Uma velha lâmpada incandescente havia se acendido no limite da brenha escura. Embora frágil e vacilante, estava pronta para a longa vigília.